Médicos investigam doença que paralisa movimentos de crianças

O que parecia ser uma simples febre com o pequeno Heitor, 1 ano, e em dois dias virou uma perda de movimentos assustou a farmacêutica Idylla Tavares, 37 anos, moradora de Natal. O andar descoordenado e sem a sustentação do pescoço fez com que o filho fosse para uma UTI pediátrica num hospital de Natal, passando quase 22 dias hospitalizado, ao todo. Esse não foi o único caso, segundo médicos ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE, de uma doença ainda não identificada, com sintomas semelhantes a uma encefalite, mas ainda sem causa definida. Segundo interlocutores da área médica, pelo menos 20 casos semelhantes foram identificados em Natal nas últimas semanas. A Secretaria de Estado da Saúde Pública vai investigar os casos, que até o momento, não apresentaram fatalidade ou sequelas graves.

De acordo com a farmacêutica,  inicialmente um infectologista suspeitou de salmonela. Numa consulta com um neurologista, foi identificada uma encefalite, o que levou seu filho para uma UTI pediátrica.
“Foi feito uma punção que identificou inflamação viral. Fizemos vários exames e um deles foi positivo para vírus da Zica. Foi prescrito para ele antibiótico, antiviral e imunoglobulina para abarcar todos os possíveis agentes causadores. Ele ficou 7 dias na UTI e 15 dias no quarto, 22 dias hospitalizado. Na época o médico da UTI falou em 15 casos semelhante ao dele”, disse Idylla.
Ela acrescentou ainda que no caso específico do seu filho existe uma suspeita de uma doença de base que possa ter exacerbado os efeitos da Zika e causado a encefalite. A família procurou um geneticista buscando mais informações. Atualmente, Heitor tem precisado de sessões de fisioterapia, terapia ocupacional, psicomotricidade e fonoaudiologia.
“O que temos percebido é que algumas crianças tem desenvoplvido quadro de febre, sonolência, algumas têm perdido movimentos. Ficam mais comprometidas durante 3, 5 dias. A equipe médica institui tratamento com imunoglobulina, antibióticos e antivirais e as crianças se recuperam, não temos tido casos de mortes ou sequelas graves. Gera atenção na fase aguda porque a família fica preocupada, mas no fim todas se recuperam. Os casos estão sendo submetidos a estudos para evidenciarmos as causas”, aponta o infectologista Kleber Luz, um dos médicos que tem acompanhado casos.
Esses primeiros diagnósticos estão sendo acompanhados por um grupo de médicos de Natal, que trocam informações, experiências e diagnósticos visando auxiliar a melhor resolutividade para as sintomatologias apresentadas. Os médicos suspeitam de encefalite ou meningite bacteriana. Segundo Kleber Luz, as crianças foram internadas em Natal, mas são oriundas também de Parnamirim, Extremoz e Caicó.
Segundo o infectologista Kleber Luz, não foi possível identificar nenhuma correlação entre as crianças, que possuem de 3 meses a 12 anos.
“A meningoencefalite é o nome da manifestação clínica. É um quadro clínico, com febre, sonolência, letargia, mas isso não diz a causa, que ainda é desconhecida e está em estudo. Temos dois casos que deu para adenovírus e outro deu para herpes humano sepe. Mas faltam os restantes. Não há nenhum vínculo entre essas crianças. É um perfil heterogêneo”, comenta.
Encefalite x meningite: entenda as diferenças
Os sintomas da encefalite e meningite são praticamente os mesmos: começa com febre, dor de cabeça, rigidez no pescoço, sensibilidade a luz e alterações de comportamento.
O que diferencia uma e outra é o local onde ocorre a inflamação. A encefalite é uma inflamação do cérebro enquanto a meningite é a inflamação das meninges, membranas que cobrem o cérebro e a medula espinhal.
Existe ainda a meningoencefalite, uma inflamação em ambas as partes, e a encefalomielite, que é a inflamação tanto do cérebro quanto da medula espinhal.
Varela Santiago registrou casos
Quem também acompanha alguns desses casos é a médica Ana Leonor Medeiros, chefe da UTI Pediátrica do Hospital Infantil Varela Santiago. Segundo ela, entre o final de setembro e o mês de outubro foram identificados nove casos de crianças com as mesmas sintomatologias, semelhantes a meningoencefalite.
“Temos observado que as crianças perdem os movimentos, algumas chegam a ficar graves e não conseguem respirar sozinhas e precisam ser intubadas para ajudar nisso. Isso dura, nos quadros mais graves, mais ou menos 10 dias, conseguem evoluir com esse suporte, assumem a respiração e vão recuperando os movimentos aos poucos. Saem da UTI fragilizadas com algumas perdas de movimentos, mas que recuperam com fisioterapia e terapia ocupacional”, aponta a médica Ana Leonor Medeiros chefe da UTI Pediátrica do Hospital Infantil Varela Santiago
“Temos pegados alguns casos. A meningoencefalite é uma doença que sempre existiu, só que não com tanta frequência como estamos vendo agora. Não sabemos porque isso está acontecendo, mas estamos enviando material para São Paulo para tentar investigar e ver se identificamos o patógeno que está ocasionando isso. Levantou-se a hipótese de que poderia ser associado à vacinação da pólio, mas já vimos que não é verídico aqui em Natal. Achamos que pode ser algo ligado a infecções virais mesmo e que pode estar aumentando esses casos de encefalite”, acrescenta.
Sesap
A Secretaria de Estado da Saúde Pública do RN (Sesap) identificou seis casos de encefalite em outubro, segundo informações da subcoordenadora de Vigilância Epidemiológica da pasta, Diana Paula Rêgo. Há investigações abertas já na pasta para se identificar as causas dessas encefalites.
“Esse número está dentro da média dos que foram notificados. Alguns casos estão sendo investigados, porque os médicos precisam notificar para podermos investigar. Tudo funciona a partir da notificação”, comenta.
A Secretaria Municipal de Saúde de Natal (SMS Natal) não confirmou nenhuma notificação para casos com essas sintomatologias.
Em um outro caso apurado pela TN, uma criança foi diagnosticada com um edema no tronco encefálico e chegou a ser internada numa UTI.