Artesão mostra talento na produção de parques infantis

O dia das crianças está próximo. A data é comemorada em 12 de outubro, instituída pelo decreto nº 4.867, no dia 5 de novembro de 1924. Pode-se dizer que é uma das comemorações mais aguardada pelos pequenos. Presentes, brincadeiras e festas são feitas ao redor do Brasil, seja em escolas ou em suas próprias casas. Além disso, a comemoração pode ser usada para trazer à tona uma outra história. A de um artesão que encontrou na felicidade da criançadas, uma maneira de viver, sustentar a família e empreender. Passou metade da sua vida construindo parques infantis, um talento que se orgulha em mostrar através da empresa Brinkelândia.

Magnus Nascimento
Primeiros clientes de José Anacélio chegaram em 1989. Desde então, ele constrói playgrounds

Primeiros clientes de José Anacélio chegaram em 1989. Desde então, ele constrói playgrounds

José Anacélio Borges tem 65 anos. Ninguém o chama pelo nome de certidão. Seu apelido é Marcelo e é assim que é conhecido desde os cinco anos de idade. Começou a trabalhar na construção de parques infantis desde cedo. Diz que é talento, e nem lembra quando se interessou pelo negócio. Sabe fazer de tudo. “O que o cliente pede eu faço”, afirma com veemência. Já era casado quando mudou para a capital potiguar de sua cidade natal, Quixadá, no interior do Ceará, em 1983. Antes disso, morou em Fortaleza.

Já chegou com esposa e quatro filhos. Estão todos criados hoje. Tem sete netos e já está à espera de um bisneto. Se mudou para Natal em 1983, depois de trabalhar para uma empresa de Fortaleza, conseguiu abrir seu próprio negócio, já no início da década de 90. Chegou em terras potiguares como representante e hoje cuida do seu negócio e da família sozinho. “Comecei na estrada de Ponta Negra com uma firmazinha, representando e depois que comecei a fabricar e estou até hoje”, lembra.

Começou a construir parques de madeira, revelando um talento que nem sabia que tinha e diz gostar desse trabalho pela praticidade. Embora a caminhada seja longa, Marcelo afirma que depois da pandemia começou a passar por dificuldades. “Eu comecei fazendo parques infantis em Caxias do Sul, aí depois comecei a fabricar, mas depois da pandemia, ninguém se aprumou”, conta. São 34 anos de profissão, uma vida inteira. “Uma vida dedicada a parques infantis”, lembra.

Mostra suas criações com orgulho. Cada peça é como se fosse uma pequena criança que ele pôde colocar no mundo. Uma carreta feita de madeira, equipada com uma caixa de som, onde anuncia suas criações, é o seu xodó. Logo quis mostra-la. “Tenho uma carreta aí que ela sozinha é digna de uma reportagem”, diz. “Uma carreta que tem ali, que tem 18 pneus e tem um som medonho”, se orgulha em dizer. Quando mostra, é uma carreta em miniatura, expressivamente menor do que uma de verdade e maior do que uma de brinquedo. Certamente não é de brinquedo. Parece pesada.

Um pequeno parque também está exposto em frente a sua casa. Uma espécie de maquete, colocada debaixo das árvores que seu pai plantou, também na década de 90. Parte da avenida São Miguel dos Caribes, no bairro Neópolis, está sob a sombra dessas árvores. Marcelo conta que o pai as plantou sozinho, sem ajuda. Mangueiras e oitizeiros hoje são imponentes, grandes e o pai, Raimundo Nonato, está fragilizado, com 97 anos. Antes disso, a avenida era de terra batida. “Isso aqui nós desbravamos, era rua de terra”, conta.

Raimundo Nonato foi mestre de obras durante muitos anos e a mãe, dona de casa. Quando chegou em Natal, foi dono de um pequeno mercado em Morada Nova, que vendeu anos depois. Construiu sua casa, com a ajuda de Marcelo. Mudou-se com a esposa e anos depois, suas irmãs chegaram, também vindas do Ceará. Maria de Lurdes, mãe de Marcelo, faleceu em 2011, há 10 anos, aos 74 anos. “A vida da gente é um livro”, declara Marcelo ao lembrar dos pais.

A maquete é pequena em comparação com outros projetos. Serve apenas para exposição. “Faço de todo tamanho. Estou entregando agora, tenho seis clientes para entregar parques”, conta. Produz para condomínios e escolas. Além disso, se orgulha em dizer que sabe fazer caramanchão, uma cobertura para jardim feita de madeira. Nele, podem ser colocadas flores, que completam a sobreposição muito vista em jardins de pousadas e condomínios. Um espaço para socializar com os amigos.

Ele diz que sabe fazer redários, que é basicamente o mesmo tipo de cobertura, só que maior, onde é possível armar redes. Já fez tanta coisa que perdeu as contas, também não consegue precisar o número de parques, letreiros alambrados, decks e pátios que fez. “Já trabalhei tanto que… é, trabalhei muito”, relembra. As criações são incontáveis e se estendem pelas três décadas de profissão que percorreu.

“Eu faço para o Rio Grande do Norte, Paraíba, já fiz para a Bahia e Fernando de Noronha”, afirma. De acordo com o artesão, suas produções estão espalhadas em quase todo o Brasil, quanto quando era representante da empresa cearense, tanto depois que montou seu próprio negócio. “Eu tenho enormes tipos de parques”, afirma. Mesmo com tanta dedicação, ele diz que falta reconhecimento pelo seu trabalho. “Nunca veio uma entidade de televisão aqui”, declara.

Marcelo conta que depois que viu uma reportagem na TV sobre um artesão, resolveu construir um barco de madeira e o expôs também na frente da sua casa, onde hoje dá lugar a maquete. “Um navio, grande. Eu que fiz”, lembra. Mesmo com o esforço para construí-lo, precisou retira-lo a mando da Prefeitura de Natal. “Isso aqui era bem feito. Era cheio de coisa aqui”, lembra. Acontece que ele costumava expor diversos construções em madeira na frente da casa, hoje elas não podem mais ficar lá. “Era lindo, digno da pessoa ver”, completa.

Primeiro projeto

O seu primeiro projeto autônomo em Natal foi um parque para o Núcleo de Educação Criativo Pinguinho de Gente, por volta de 1989. Depois dessa primeira criação, começou a ganhar clientes. Mesmo sendo poucos, no início, não desistiu. “As pessoas acharam bonito, começaram a fabricar e eu, nada”, relembra. Quando viu  empreendedores ao redor fabricando o mesmo tipo de parque, ele decidiu que era hora de se desvincular da antiga empresa e começar sua própria jornada. “Eu vou fabricar, a partir de hoje”, relembra. Embora tenha enfrentado dificuldades, não baixou a cabeça.

No começo da sua jornada, todos os seus equipamentos eram manuais.  Plaina de mão, um objeto que serve para alisar madeira, serrote e um enxó, usado para limpar a madeira. Todo o trabalho era manual. Demorava semanas para construir, sozinho, um único parque. E dependia do tamanho. Quanto maior, mais tempo levava.  “Hoje é tudo elétrico, mas nessa época comecei assim”, conta. Nessa época fabricava um tipo de parque chamado pônei, o modelo mais simples, para crianças pequenas, de dois a três anos.

Artesão administra empresa própria

Embora todo o tempo, a idade chama para o descanso. Marcelo tem hérnia de disco e não consegue mais trabalhar. Diz que hoje só administra a empresa. “Não faço mais nada, não aguento mais trabalhar. Só administro”, declara. “Estou tendo problemas sérios de saúde”, conta. Embora não consiga trabalhar na produção, quer recomeçar. Diz que dará o pontapé para reiniciar os negócios com um novo fôlego. Trabalha hoje com três funcionários, mas lembra que no “auge”, trabalhava com oito.

Magnus Nascimento
Artesão está no ramo há 34 anos e hoje administra empresa

Artesão está no ramo há 34 anos e hoje administra empresa

“Só tenho três, sustentando três, esperando com três”, conta. Esses trabalhadores só estão com ele em ocasiões específicas, depende do tamanho do pedido e o trabalho a ser feito naquele momento. “Nós passamos por dificuldades, mas vamos enfrentar e sair na ponta”, impõe. “Daqui para o final do ano eu entrego minhas coisinhas e começo tudo de novo. Começo tudo de novo”, coloca como meta. Marcelo quer se reestruturar, mesmo que seja devagar e o processo, dificultoso.

Como não pode arcar com uma grande equipe ou trabalhar sozinho, precisa de paciência e tempo. Além disso, precisa estar ao lado da família, dos netos, da esposa e do pai. “Não posso perder esse tempo todinho de trabalho”, diz. Sua principal dificuldade hoje perpassa a primeira que enfrentou: recursos para dar continuidade aos negócios. “Ainda hoje. Vende-se o almoço para comprar a janta. Tenho que vender um parquinho desse para fazer outro”, relata.

Por fim, ele diz que construiu tudo na raça. Com força e dedicação, apesar das barreiras. “Na raça mesmo. Aí a gente tem dificuldade, com tudo, mas, tá bom. Tem dias que eu caço com a mão e não encontro”, conta. Mesmo assim, tem fé, e acredita que só a fé é capaz de leva-lo para frente. “Eu sou um cara que tenho muita fé em Deus porque, se não tivesse, já tinha sacramentado tudo. A fé é o que consegue levantar. Certeza, certeza mesmo”, completa. Ao lado da família, agora planeja seu novo começo.