“Talvez a gente queira estar em um ambiente mais acolhedor em que as pessoas estão falando aquilo que acreditamos e, a partir disso, somos cada vez mais direcionados para isso. Assim, conseguimos entender como as pessoas criam e caem em verdadeiras câmaras de eco: elas falam e são ouvidas com o mesmo tipo de conteúdo, sem diferenças”. Assim a jornalista Liz Nóbrega, mestre em Estudos da Mídia pela UFRN, define o aspecto primordial que difere a propagação da desinformação via redes sociais da que acontece em outros meios: a arquitetura dessas plataformas e seu potencial para engajar o público. Esta checagem foi feita pelo TN Verifica, núcleo de checagem da Tribuna do Norte, que integra projeto nacional de combate a informações falsas.
A desinformação, lembra a jornalista, parte de conteúdos falsos que podem aparecer em diferentes formatos. Seja por imagens, vídeos, ou textos, eles também surgem retirados do seu contexto original para enganar o usuário. E isso não acontece por mero acaso, adverte a jornalista, mas de forma orquestrada. Uma pessoa anônima pode, por exemplo, publicar intencionalmente um conteúdo falso em uma rede social e, na sequência, o mesmo produto é compartilhado por outro perfil. Assim, ocorrem os primeiros passos para a chamada “viralização” que, a depender do nível das estratégias utilizadas, recebem a ajuda de robôs para amplificar o alcance de publicações desinformativas.
Em outras palavras, mesmo com a participação dos algoritmos das redes sociais, a disseminação de informações falsas tem sua origem em uma estratégia inicial. Segundo Liz Nóbrega, já existem alguns estudos que evidenciaram que em determinados grupos ideológicos são utilizados testes para saber quais perfis de conteúdos serão mais aceitos e propagados e quais não. “Tem, inclusive, programas de testes para que essa informação seja reproduzida nas redes sociais fora de grupos muito específicos e dentro de aplicativos”, reforça.
Na ótica do jornalista Sérgio Lüdtke, editor do Comprova, a desinformação sempre “ganhou corpo” associada às inovações tecnológicas. Isso não apenas nos dias atuais, mas também com a criação da imprensa, do rádio, da TV e da Internet. O diferencial das redes sociais, aponta, está nelas fornecerem ferramentas para que todos se tornem produtores ativos de conteúdos com alto potencial de alcance. Nesse sentido, o sujeito torna-se uma ponte para novas redes, ao invés de apenas um elo que integra uma corrente.
Conteúdo falso
A jornalista Lívia Cirne, professora no curso de jornalismo da UFRN, também observa como as redes sociais possuem configurações propensas à desinformação. “Há botões para denunciar conteúdo supostamente falso, há possibilidades de solicitar a remoção ou escolher não ver mais conteúdos postados por determinados perfis, por exemplo, mas são ferramentas ainda muito sutis diante dos perigos impostos e que, mais ainda, não estão no conhecimento de todos”, adverte. Ela aponta, ainda, para uma pesquisa realizada em 2021 pela Kaspersky, na qual foi mostrado que 70% da população brasileira busca, em primeiro lugar, informações nas redes sociais. Para além dos percentuais, isso reflete a necessidade do letramento dos cidadãos para identificar conteúdos falsos.
Segundo a professora, os primeiros passos partem da dúvida, ou seja, o usuário deve questionar a fonte da informação, realizar uma busca no google e observar quantas vezes a notícia foi replicada por portais semelhantes. Após isso, é importante partir para iniciativas com foco na checagem de informações, como a Agência Lupa, Aos Fatos, Boatos.org e Comprova. “Os portais sérios de jornalismo devem ser a fonte principal, ainda que tenham abordagens editoriais diferentes. Via de regra, jornalistas têm técnicas de apuração, responsabilidade e credibilidade para narrarem fatos. E, na dúvida, não se deve compartilhar mensagens de disparo em massa. Leu um título sensacionalista? Desconfie”, argumenta.
Mas nem sempre as fontes das informações são facilmente alcançáveis. Nesses casos, adverte Liz Nóbrega, o passo inicial é não replicar. Isso porque, quando não se consegue chegar à origem de um conteúdo, as chances dele ser falso são maiores, dado que informações verdadeiras são amplamente divulgadas por meios confiáveis de comunicação. O segundo passo é entender melhor o contexto da notícia, pois publicações verdadeiras também podem ser usadas como ferramentas para desinformação. Já quando as agências de checagem não realizaram a verificação, mecanismos de busca ajudam na compreensão contextual a partir de conteúdos relacionados.
Ainda, segundo a jornalista, ferramentas de busca reversa como Bing e Tineye podem ser úteis para checar quando e onde uma imagem foi publicada pela primeira vez na internet. “Precisamos, também, acender um alerta quando a informação é boa demais para ser verdade. Então, às vezes, o muito ou o exagero podem ser a palavra chave. Então é necessário prestar atenção a esses conteúdos que abusam de adjetivos e apelam para o emocional, pois pode ser uma informação falsa que tenta capturar justamente pela emoção”, enfatiza.
Algoritmos e a economia da atenção
Todo esse processo de desinformação via redes que, na atual conjuntura de eleições, pode ser impulsionado por fatores políticos, insere-se dentro de uma outra lógica que alimenta o lucro de grandes plataformas de interação social: a economia da atenção. Nos dias atuais, explica Liz Nóbrega, vivemos em um modelo de capitalismo no qual a atenção e os dados são os pontos de maior interesse de empresas como Google, Facebook e Twitter. Para alcançarem esses objetivos, são criados mecanismos para favorecer o engajamento, como é o caso do design dessas plataformas.
No caso dos conteúdos, constantes alvos da manipulação, o processo ocorre por meio das recomendações dos algoritmos, ou seja, quando abrimos as redes sociais recebemos conteúdos com maior potencial de engajamento da nossa parte. “Então esse conteúdo vai primeiro ser segmentado pelas nossas preferências e escolhas. A partir disso, vamos sendo direcionados para uma bolha informacional, ficando cada vez mais presos naquele tipo de conteúdo que, muitas vezes, pode não ser verdadeiro, justamente porque a verdade e as nossas opiniões nem sempre são as mesmas. Nem sempre a verdade nos agrada”, observa Liz Nóbrega.
Ela continua explicando que a desinformação tem maior potencial para viralizar em relação à informação verdadeira porque envolve as emoções, despertando desde sentimentos agradáveis até a raiva, o rancor ou a tristeza. Nas palavras da jornalista, a principal diferença desse processo nas redes sociais da que acontece na TV ou jornal impresso, portanto, parte da arquitetura das plataformas digitais. “Por meio tanto da concordância quanto da discordância daquele conteúdo, as pessoas vão se engajando e alimentando algoritmos”, destaca.
Uma visão complementar à de Liz Nóbrega, pode ser identificada na perspectiva de Sérgio Lüdtke, para quem a possibilidade de ser sujeito ativo na produção de conteúdo também ampliou uma oferta “jamais vista” de informações. “Mas como a atenção é escassa, conteúdos mais sensacionais, mais emocionais, acabam capturando a atenção das pessoas com mais facilidade. E a desinformação, principalmente a relacionada à política, se vale disso para se disseminar”, destaca. Ele observa, ainda, que devemos ter um olhar mais atento não só para conteúdos com apelo emocional, mas também ausentes de fontes, links e que apresentem erros de português, características associadas à desinformação.
TN Verifica
Esta checagem foi feita pelo TN Verifica, núcleo de checagem da Tribuna do Norte, que integra projeto nacional de combate a informações falsas. O trabalho recebe o apoio de sete jornalistas do veículo, integrados em um núcleo de checagem, para verificar a procedência de conteúdos de caráter viral e enganosos que possuam intersecção com o processo eleitoral de 2022. Além da procura independente dos profissionais nas principais redes de comunicação, também estarão abertos meios de contato ao público para recebimento de sugestões de checagem.
O núcleo de checagem vem como resultado de uma parceria entre a Tribuna do Norte e o projeto Comprova, que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação do Brasil visando descobrir e investigar informações suspeitas sobre o panorama da covid-19, políticas públicas e eleições presidenciais. Desde o início de julho, a equipe da TN vem recebendo capacitação em Fact Checking pela iniciativa, estabelecendo planejamentos de rotina e exercitando verificações de forma conjunta para aprimorar as técnicas de apuração na checagem.