Natal possui cerca de 3 mil pessoas com surdez

Falar sobre inclusão de pessoas surdas durante todo o ano é essencial para que essa parcela da população tenha acessibilidade em todos os lugares. A importância de falar sobre om tema fica ainda mais evidente quando se leva em conta as estatísticas. De acordo com estimativas da Associação dos Surdos de Natal (Asnat), Natal possui aproximadamente 3 mil pessoas com algum tipo de surdez.  No Brasil,  segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de pessoas surdas passa de 10 milhões. A Língua de Sinais (Libras) é a principal aliada para a inclusão dessa população.

A natalense e estudante de Pedagogia Jéssica Francimária, de 29 anos, perdeu completamente a audição logo depois que nasceu. Prematura, a criança teve sérios problemas respiratórios e precisou ingerir doses altas de medicação para sobreviver. Foram 24 dias na incubadora até apresentar uma melhora significativa e ir para casa. Os médicos alertaram que a menina poderia ter alguma sequela em razão da alta dosagem. Com o desenvolvimento de Jéssica, por volta de um ano de idade, os pais perceberam que ela não ouvia. Um acompanhamento em uma clínica particular trouxe o diagnóstico: surdez severa.
Os desafios para a menina foram muitos. Com o apoio de um tradutor e intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras), Jéssica concedeu entrevista à TRIBUNA DO NORTE. Ela narrou as dificuldades enfrentadas na infância, desde a escola até a chegada à universidade, onde encontrou, pela primeira vez, um ambiente acessível, já que conta com um tradutor. “Foi na faculdade que eu tive meu primeiro intérprete. Tudo era mais claro, as aulas pareciam ser feitas especialmente para mim. Quando cheguei lá, pensei: é aqui que eu vou ficar”, conta Jéssica, que é aluna de uma universidade particular de Natal.
Antes disso, no entanto, o caminho de barreiras foi extenso. Na infância, a menina foi levada a uma clínica para tratamento, mas foi exatamente aí onde ela encontrou as primeiras grandes dificuldades. “Queriam que eu fosse oralizada. Mostravam gravuras, faziam expressões faciais e tentavam fazer com que eu falasse. Na escola, só falavam em português, mas eu não compreendia nada. Era muito difícil, porque eu não conseguia participar de determinadas brincadeiras e ia para a escola simplesmente por ir”, confessa.
Jéssica se sentia diferente e não tinha vontade de frequentar as aulas. Ainda assim, ela nunca foi reprovada na escola. “Eu anotava tudo no caderno e, quando chegava em casa, fazia uma revisão. Comecei a aprender português sozinha, estudando, assimilando palavras. Nunca fiquei reprovada. Aos 15 anos, todos os professores começaram a se comunicar comigo escrevendo bilhetes”, conta.
Aos 18, Jéssica recebeu um implante coclear, mas não se adaptou ao aparelho. Para ela, este foi um dos momentos mais difíceis que enfrentou. “Eu sentia muita dor de cabeça. Parecia que um fio ficava dando choque. Sofri muito e desisti do aparelho. Teve um momento em que eu pensei: vou tirar minha vida por causa disso. Não estou sendo muito útil. Ninguém consegue se comunicar comigo”, revela.
O primeiro contato com a Língua Brasileira de Sinais aconteceu na adolescência. Uma amiga, também surda, ensinou as primeiras palavras a Jéssica. Mas as dificuldades na escola continuavam, porque nem os alunos nem os professores conheciam a língua. Sem o domínio da Libras por parte de quem estava por perto, ela permaneceu inserida em um ambiente que não lhe permitia acessibilidade.
Atualmente, a estudante está feliz em poder ter acesso a uma formação que garante a compreensão do que está fazendo. E não é apenas ela. Aldemir Lima, especialista em Libras e professor de Jéssica, também celebra as conquistas alcançadas pela aluna. “Por conta da acessibilidade que existe na universidade, ela se torna igual aos demais estudantes, graças à comunicação”, relata Aldemir, que atua com a Língua de Sinais há 12 anos.
“Quando eu a vejo progredindo, me sinto realizado”, confessa, em seguida. As conquistas na universidade, no entanto, não significam a ausência de dificuldades, uma vez que, para a futura pedagoga, os desafios  desafios permanecem em outros espaços. “Ir ao médico, a uma loja ou ao mercado, é difícil, porque não há acessibilidade nesses locais”, afirma. Ciente de que ainda existe muito a melhorar, ela garante: tem feito sua parte para garantir um mundo mais inclusivo.
“Como pedagoga, tenho elaborado projetos que facilitem a disseminação da Língua de Sinais. Quando os ouvintes se preocupam em aprender Libras, eles estão demonstrando empatia, dizendo que entendem que os surdos precisam se comunicar”, indica Jéssica.
Setembro Azul
 
Para dar reforço à busca por inclusão, algumas datas são comemoradas no mês passado para dar visibilidade ao tema. Todas elas integram o Setembro Azul. No dia 10, é celebrado o Dia Mundial da Língua de Sinais. A data remete ao Congresso de Milão (primeira conferência internacional de educadores de surdos), que ocorreu entre 6 e 11 de setembro de 1880. Paradoxalmente, o uso da língua foi proibido por participantes do evento, os quais definiram que as línguas gestuais seriam um retrocesso aos surdos.
Outras datas neste mês marcam a luta contra o preconceito e a favor da inclusão dos surdos no Brasil, como o dia 23 (dedicado mundialmente ao tradutor e intérprete da língua de sinais) e o dia 26, em que foi instituído o Dia do Surdo no País, há 14 anos. Já o Dia Internacional do Surdo ocorreu no dia 30.
O especialista em Libras, Aldemir Lima, intérprete e tradutor da estudante de Pedagogia, Jéssica Francimária, explica que o ensino da Língua deve ser estimulado para todas as pessoas, a fim de facilitar a comunicação entre surdos e ouvintes. “À medida que a língua tem se expandido, as pessoas surdas são mais incluídas. Todo mundo deve ter acesso à língua”, indica.