Derrubada do ‘rol taxativo’ vai beneficiar usuários de planos de saúde

Com a derrubada do chamado rol taxativo da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pelo Senado, os usuários de planos de saúde terão mais segurança e respaldo jurídico para evitar negativas de procedimentos ou interrupções de tratamentos, avaliam especialistas ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE. Sem a taxatividade do rol, os planos poderão ser obrigados a financiar tratamentos de saúde que estão fora da lista da ANS. Com apoio unânime dos senadores, o texto segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro. Por outro lado, medida pode servir de argumento para aumentos nas mensalidades dos planos, analisam advogados.

A medida foi considerada uma vitória pelos beneficiários de planos que foram afetados pelo rol taxativo. É o caso de Ana Paula Lopes, que teve o tratamento da filha interrompido após negativa de um plano de saúde em Natal. Ela ingressou com uma ação na Justiça e conseguiu reaver as terapias da filha via liminar. Ana é mãe de Olívia, de 3 anos, que nasceu com Transtorno do Espectro Autista (TEA), e diz que em julho deste ano, a operadora recorreu da liminar, mas a Justiça manteve a decisão em 2ª instância. Agora, a provável derrubada do rol vai trazer mais tranquilidade, diz.
“É uma conquista muito importante, uma vitória, não só para mim como mãe de uma criança com autismo, mas para outras mães também. Agora vamos ter mais segurança porque se for negado pelo plano, a gente entrando na Justiça vai ter um respaldo maior. Antes, a gente já entrava na Justiça com um receio de que não tinha nenhuma lei que respaldasse a gente. Íamos e a questão de ganhar ou não dependia muito da desenvoltura do advogado e do parecer do juiz”, comenta Ana Paula Lopes.
A derrubada do rol taxativo no Senado ocorreu na última segunda-feira (29) com a aprovação do Projeto de Lei 2.033/2022, após aceitação da matéria na Câmara dos Deputados. O reconhecimento do Congresso Nacional provoca uma reviravolta no assunto que mobilizou usuários de planos de saúde no País inteiro, inclusive com protestos no Rio Grande do Norte, e vai contra a interpretação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que havia decidido que os planos só deveriam custear tratamentos contidos no rol da ANS.
O projeto de lei apresentado em reação ao STJ determina que o rol da ANS – tecnicamente chamado de Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde (Reps) – seja somente uma referência básica para os planos de saúde e não mais algo impositivo. O Reps lista aproximadamente três mil tipos de consultas, terapias, tratamentos, exames ou cirurgias, que devem ser cobertos obrigatoriamente pelos planos sob pena de suspensão das operadoras.
Em outras palavras, com a aprovação do Senado, o Reps volta a ser exemplificativo, isto é, o mínimo que os planos devem oferecer.  “Esse projeto de lei é excelente e a gente está muito feliz com isso. O senador Romário elaborou um parecer muito bem feito. Esse PL é fruto de mais de dois anos de um estudo dos gabinetes do deputado Cezinha [de Madureira, PSD-SP] e do Romário, que analisou mais de 11 mil decisões judiciais e verificou que cerca de 50% das causas das negativas dizem respeito a não constância no rol”, comenta.
A contrapartida dos planos pode ser um aumento nas mensalidades, diz Dumaresq. “Certamente haverá, mas se aumentar demais as pessoas vão preferir não ter, então pode haver uma diminuição da carteira”, declara. O advogado e juiz do Tribunal de Ética da OAB-RN, Airton Romero Ferraz, concorda: “Os planos vão buscar atualizar seus valores de tabela, pois cada vez mais novos serviços serão mais demandados. Acreditamos até que criem novos tipos de plano, mas só saberemos disso com o passar do tempo”.
Cedida
Advogado acredita que presidente vai sancionar projeto

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Airton Romero Ferraz avalia ainda que a medida terá grande impacto positivo para as pessoas com autismo, como a filha de Ana Paula Lopes, Olívia. “São pessoas que lutam com unhas e dentes pelo melhor tratamento para seus filhos. A expectativa é de que os planos passem a ter, em sua rede credenciada, profissionais que tenham competência nas terapias e métodos”, destaca.
Renato Dumaresq explica também que a queda do rol deve facilitar o acesso a exames ou procedimentos, que venham a ser alvo de negativas dos planos, porque os usuários terão amparo em uma lei. Com isso, analisa o especialista, as judicializações tendem a diminuir. “A gente prevê uma diminuição muito grande na esfera judicial porque o Judiciário vai ter um dispositivo, uma lei, determinando a abertura do rol, que sempre foi exemplificativo, sempre foi considerado uma base de obrigação dos planos”, pontua.
De acordo com o PL, um tratamento fora da lista deverá ser aceito desde que cumpra um dos seguintes critérios: tenha eficácia comprovada cientificamente; seja recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec); ou seja recomendado por, pelo menos, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde com renome internacional.
São consideradas agências de renome internacional: Food and Drug Administration, União Europeia da Saúde, Scottish Medicines Consortium (SMC); National Institute for Health and Care Excellence (Nice); Canada’s Drug and Health Technology Assessment (CADTH); Pharmaceutical benefits scheme (PBS); e Medical Services Advisory Committee (MSAC).
Otimismo na sanção presidencial
Para virar lei, o texto precisa ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, mas a expectativa é de que a aprovação aconteça sem maiores dificuldades, avaliam os advogados Renato Dumaresq e Airton Romero Ferraz. “Acredito que sim, é uma medida muito popular, que vai atingir quase 50 milhões de pessoas no País e 586 mil no RN. Acho que vai ser sancionado, o parecer foi muito bem elaborado pelo senador Romário”, diz Dumaresq. “Estamos nessa expectativa de que o texto seja sancionado do jeito que está indo”, complementa Ferraz.
O otimismo deve-se também ao bom relacionamento entre o senador Romário e o presidente Bolsonaro, ambos candidatos a reeleição pelo PL. O ex-atacante se emocionou no plenário do Senado ao aprovar o projeto e lembrou da filha Ivy, que tem síndrome de down. “Hoje é um dia histórico, um dia em que a sociedade brasileira se mobiliza e vence o lobby poderoso dos planos de saúde. O rol taxativo é o rol que mata. Vidas humanas importam e a ninguém pode ser recusado um tratamento de saúde”, disse.
Conta a favor também a posição do Ministério da Saúde. O titular da pasta, Marcelo Queiroga, disse que não recomendará vetos ao projeto de lei. A avaliação é de que a aprovação teve grande apelo popular e de que o veto teria alto custo político para Bolsonaro na corrida pela reeleição. “O veto é uma medida excepcional, conquanto cabe ao Congresso Nacional elaborar as leis. A princípio, o Ministério da Saúde não recomendará o veto. Os poderes são independentes e harmônicos e, sempre que possível, se preserva as prerrogativas do Congresso Nacional”, afirmou.
Unimed é contrária ao projeto
Assim como a ANS, que é contra a derrubada do rol, a Unimed Natal, em conformidade com a Unimed Brasil, também se posiciona de forma contrária ao projeto de lei. Em nota enviada à TRIBUNA DO NORTE, a operadora afirma que o texto reduz a segurança do serviço. A Humana Saúde também foi procurada, mas disse que não irá se pronunciar sobre o assunto.
Confira a nota da Unimed na íntegra:
“Foi aprovado no Senado, nesta segunda-feira (29), o Projeto de Lei (PL) nº 2033/22, que obriga as operadoras de planos de saúde a cobrirem procedimentos não previstos no rol da ANS bastando ‘comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico’, recomendações da Conitec ou ‘de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional’.
 
O texto reduz a segurança assistencial do setor, ao restringir o processo regular de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS), fundamental para assegurar a imparcialidade e a transparência às incorporações. Compromete ainda a segurança jurídica e econômico-financeira, com menor clareza quanto à abrangência da cobertura e à previsibilidade dos custos.
 
No próximo mês, o rol de coberturas será tema de uma audiência pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Unimed do Brasil atua para contribuir nesse debate”.