Adicional por acúmulo de processos custa R$ 427 mil por mês ao MPRN

Foto: MPRN/ Divulgação

Com a recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para que as unidades do órgão no país regulamentem remuneração extra a procuradores e promotores por conta do acúmulo de processos, o Ministério Público do Estado (MPRN) teve um acréscimo de R$ 427.884,00 na folha mensal para garantir esse benefício aos seus membros que atendem aos critérios da recomendação. No Ministério Público Federal a recomendação do CNMP não foi seguida, como o próprio órgão esclareceu.

O “penduricalho”, como está sendo chamada a iniciativa que aumenta a remuneração do MP, começou a ser paga a promotores e procuradores no Rio Grande do Norte desde o mês de abril. Em nota, o MPRN informou que, atualmente, são 165 promotores de Justiça e 16 procuradores de Justiça recebendo o valor de R$ 2.364,00 cada, referente ao acúmulo por acervo, atualmente previsto para promotores e procuradores de Justiça com mais de 200 processos criminais e 400 cíveis, retribuído mediante licença compensatória, com natureza indenizatória.

No mês, os valores correspondem a um custo adicional na folha de pessoal que se aproxima de meio milhão de reais no mês. Considerando o quadro atual, em um ano, o valor pode chegar a R$ 5.134.608,00. Contudo, o montante pode ser maior ou menor, dependendo do número de promotores e procuradores com acúmulo de processos em seus gabinetes.

A recomendação foi aprovada em sessão plenária do CNMP no último mês de abril e publicada em maio e é justificada como um benefício adicional relativo à sobrecarga processual e deve corresponder a um terço do subsídio do membro do Ministério Público para cada 30 dias de exercício cumulativo. Esse pagamento deve ocorrer de forma proporcional ao tempo de serviço.

Atualmente, a remuneração de um promotor de justiça no Rio Grande do Norte varia de R$ 30.404,42 na primeira entrância, até R$ 33.689,11 na terceira entrância. No caso dos procuradores, o salário do cargo é de R$ 35.462,22.

O salário base na 3ª entrância corresponde a 27 vezes o valor do salário mínimo atual. Para se ter uma da diferença com a realidade do trabalhador comum brasileiro, basta analisar a Pnad Contínua – Rendimento de todas as fontes 2019, do IBGE, referente a 2019, quando o salário mínimo estava em R$ 998,00. O levantamento apontou que 70% dos trabalhadores brasileiros ganhavam até dois salários mínimos. O cenário provavelmente deve ter mudado nos últimos dois anos, mas para pior, com o impacto da pandemia que piorou a qualidade de vida e a renda da população, visto que os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), apontam para queda na remuneração do brasileiro, apesar de uma lenta retomada dos empregos.

Já os valores pagos a promotores e procuradores não se limitam aos salários já mencionados. Em junho, quando somou-se a outras verbas remuneratórias legais ou judiciais, gratificação natalina, indenizações, férias, abono de permanência e outras remunerações retroativas/temporárias, os membros do MPRN, ativos e no exercício da função, tiveram rendimentos brutos a partir de R$ 45 mil, com pico de R$ 86 mil para um promotor de 3ª entrância, conforme consta no descritivo disponibilizado no Portal da Transparência do órgão, onde está incluída a compensação por assunção de acervo.

Informações e valores sobre remunerações estão disponíveis nos portais da transparência do MPF (http://www.transparencia.mpf.mp.br) e do MPRN (https://www.mprn.mp.br/categoria_de_servico/transparencia).

MPF diz que não aderiu

A Procuradoria Geral da República (PGR) informou que não está pagando a remuneração extra aos seus membros. A instituição ressaltou que a recomendação do Conselho Nacional do Ministério Público trata-se de ato normativo proposto, discutido e aprovado no âmbito do conselho, e não da PGR, apesar de ter sido assinado por Augusto Aras na condição de presidente da entidade, não sendo ele o autor da proposição.

“Trata-se de recomendação, que tem caráter meramente de orientação, não gerando obrigações. No âmbito do Ministério Público Federal (MPF) e de todo o Ministério Público da União (MPU) não existe, neste momento, nenhum estudo voltado à implementação do referido adicional”, informou a PGR.

Além disso, o MPF reforçou que o ato não inova ou avança em relação a normativo semelhante editado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e destinado a juízes, mas apenas reproduz previsão idêntica de compensação, sendo, inclusive, editada com o objetivo de manter a simetria entre as carreiras do Judiciário e do MP.

Representação contra o pagamento aguarda análise

O Ministério Público junto ao Tribunal da Contas da União (TCU) pediu neste mês a extinção do pagamento do auxílio por acúmulo de processos do Ministério Público, após a revelação de que o “penduricalho”, como está sendo chamado o benefício, poderá aumentar em até R$ 11 mil os contracheques de procuradores e promotores sob a justificativa de que estão sobrecarregados de trabalho. O pedido do MP de Contas ainda não foi apreciado pelo TCU.

Na representação, o subprocurador Lucas Furtado diz que se trata de um “mero artifício imoral para atribuir para esses servidores públicos remuneração superior ao teto salarial do funcionalismo público determinado pelo art. 37, XI, da Constituição Federal”.

No documento, Lucas Furtado cita a entrevista do diretor-presidente do Centro de Liderança Pública (CLP), Tadeu Barros, ao Estadão na qual classificou o penduricalho como um incentivo à “incompetência”, não à produtividade. “É como dizer: ‘Você vai ser premiado porque atrasou e está com processos acumulados’”, afirmou. Isso porque só ganha o adicional o procurador ou promotor que tiver estoque de processos.

Segundo o diretor-presidente do CLP, que já foi secretário de Planejamento do governo de Alagoas, esse tipo de instrumento do qual se vale o Judiciário brasileiro é indesejável sob três perspectivas. A primeira delas é descrita por ele como moral, considerando que o País retornou recentemente ao mapa mundial da fome e o número de desempregados já supera 10 milhões de pessoas. A segunda é fiscal: estudo do CLP mostra que o custo anual dos “penduricalhos” em todo o Judiciário giraria em torno de R$ 2,6 bilhões.

Esse valor diz respeito a mecanismos de remuneração extraordinária que acabam criando “supersalários”, isto é, contra-cheques que, na prática, superam o teto de vencimentos no funcionalismo público. Da forma como foi aprovado pelo CNMP, o benefício seria pago sem o desconto do abate-teto. Com isso, seus vencimentos ultrapassariam os R$ 39 mil pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Barros ainda destacou a perspectiva social, uma vez que a soma dos “penduricalhos” chega a superar as despesas executadas do Orçamento da União até de ministérios, como o do Meio Ambiente (em 2021, as despesas da Pasta foram de R$ 2,38 bilhões, segundo o Portal da Transparência).

Juízes já recebem um pagamento semelhante

O MPRN relembrou que, em 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já havia orientado a regulamentação de gratificação idêntica aos magistrados por atuarem em mais de um órgão da Justiça e, com isso, acumularem processos.

“A verba foi regulamentada no âmbito do Judiciário, pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), e no Ministério Público, pelo CNMP, e no Rio Grande do Norte tem se utilizado o parâmetro do Judiciário para fins de isonomia, com pagamento feito com recursos originários da dotação orçamentária própria para despesa dessa natureza”, disse o órgão em nota.

De fato, no Rio Grande do Norte, a Resolução nº 50 que regulamenta a compensação por exercício cumulativo de jurisdição para magistrados de 1º e 2º graus, em face do acúmulo de distribuição processual, foi aprovada em dezembro passado no Tribunal de Justiça do estado (TJRN). Com isso, o acréscimo na folha da instituição é de R$ 105 mil mensais. “São 86 acumulações de jurisdição e o valor mensal é de R$ 105 mil. Vale lembrar que há acumulações referentes a férias, licenças e afastamentos, que não são permanentes, com valores que variam mês a mês”, informou o TJRN.

A remuneração extra já existe também para magistrados da Justiça Federal e do Trabalho. Em efeito dominó, o presidente do CNMP e procurador-geral da República, Augusto Aras, indicou a simetria entre o MP e o Judiciário. Segundo ele, tal princípio constitucional “enseja a necessidade de espelhamento do regime jurídico dos membros do Ministério Público em relação às determinações existentes para os membros do Judiciário, inclusive no que toca ao regime de remuneração, garantias e benefícios funcionais”.

Em nota, o CNMP disse que a recomendação não cria benefício automático para promotores e procuradores. “Trata-se de recomendação, que tem caráter de orientação”, afirmou a instituição. De acordo com o CNMP, o documento aprovado em maio “apenas recomenda que as unidades do Ministério Público regulamentem o direito à compensação pelo acúmulo de processos, quando couber”.

Tribuna do Norte