Prestes a completar dois anos desde que foi instituído em Natal, em 25 de agosto de 2020, o Estatuto do Pedestre, que prevê melhorias para a mobilidade de quem anda a pé na capital, provocou poucos avanços na cidade. De acordo com o texto da Lei Nº 615, um dos objetivos do Estatuto é a promoção de benefícios para os pedestres, com regulamentação de calçadas, construção de abrigos e coberturas nas paradas de ônibus e construção de banheiros em vias públicas, dentre outros.
Não é difícil constatar, no entanto, que o cenário atual é muito diferente daquele previsto pelo Estatuto. E para isso, basta uma breve caminhada pelas ruas da cidade. Falta de padronização de calçadas, paradas de ônibus sem coberturas – em alguns casos não existe abrigo de nenhum tipo – e sinalização precária são problemas antigos com os quais o natalense lida diariamente. Sem avanços expressivos, a população reclama.
“Moro no Vale Dourado e lá é complicada a questão das calçadas. Algumas são mais altas e outras mais baixas. Às vezes a gente tropeça ao caminhar. As paradas de ônibus são muito desconfortáveis. Se chove, a gente se molha. Se não chove, a gente fica no sol, porque não tem proteção nenhuma”, desabafa a vendedora ambulante, Joseane Araújo, de 52 anos. A bancária Maria Eunice Borges, de 37 anos, também reclama, especialmente das calçadas.
“A mobilidade para pedestres em Natal é zero. As calçadas, além dos desníveis, muitas vezes estão ocupadas, principalmente em áreas comerciais. No Centro está havendo uma revitalização por parte da Prefeitura, mas ainda é preciso melhorar muita coisa. Em locais como o Alecrim, por exemplo, eu nem vou, porque não tem calçada”, relata. As dificuldades para a bancária aumentaram porque ela precisa se deslocar com a filha em um carrinho de bebê. Ainda que seja uma limitação temporária, Eunice conta que os transtornos trazem muita dor de cabeça.
Já para José da Silva, de 39 anos, as dificuldades são ainda maiores. Ele é cadeirante há quatro anos e afirma que precisou, inclusive, se mudar, por causa das calçadas altas e dos buracos que tomaram conta da rua onde vivia. “Eu morava na região da Praça 7 de Setembro e era muito complicado. Por ser cadeirante, utilizo muito os serviços de motorista por aplicativo e era difícil até para os veículos chegarem na minha casa. Já perdi consulta médica por causa disso”, conta.
Diante das limitações, José mudou-se para um kitnet próximo à Avenida Rio Branco, que ele considera uma região de melhor acessibilidade. “Aqui na Rio Branco alguns serviços estão sendo feitos nas calçadas e ficaram muito bons, estão todas iguaizinhas”, diz. O fato de viver numa região com maior acessibilidade, no entanto, não afasta de José a preocupação com a segurança na hora de atravessar a rua, por exemplo.

Segundo Sophia Motta, calçadas são maior empecilho
Também está prevista a existência de abrigos ou cobertura simples nas paradas de ônibus, com tamanho adequado ao volume do público usuário. A sinalização horizontal e vertical para maior segurança durante a travessia na faixa de pedestres, além de tecnologia inteligente, como a instalação de sinais de trânsito com temporizadores numéricos para alertar o pedestre sobre o tempo de travessia restante estão entre os objetivos do Estatuto.
O documento prevê implantação de ciclovias com sistema de sinalização horizontal, vertical e semafórico, instalação de lixeiras, e banheiros públicos com condições adequadas de limpeza e higiene, assim como implantação de bebedouros públicos em locais de maior fluxo de pedestres.
A Secretaria de Mobilidade Urbana (STTU) de Natal esclareceu que, antes mesmo da criação do Estatuto, a Prefeitura já havia assinado, em 2019, um contrato para a construção de calçadas em áreas públicas da cidade, com base na Lei Nacional do Estatuto da Cidade (Lei Nº 10.257, de 2001). O investimento é de cerca de R$ 1,5 milhão e o contrato tem duração de até cinco anos.
“Essas calçadas estão sendo construídas em regiões de escolas e postos de saúde. Quando há um projeto de ordem estruturante, como acontece na Rio Branco, a calçada também já vem toda adaptada, com rampas, piso tátil e arborização”, explica o diretor do Departamento de Engenharia de Trânsito, Carlos Milhor.
Ainda de acordo com Milhor, a STTU está ampliando o número de faixas de pedestres nas regiões de rotatórias e fazendo a abertura de canteiros nos principais corredores da cidade. “Abrimos canteiros centrais com faixas de pedestres próximos às paradas de ônibus na Hermes da Fonseca e agora estamos na Prudente de Morais, na região da Praça Cívica”, descreve. Segundo ele, a Prefeitura está retomando a instalação de botoeiras nos corredores de Natal, que havia sido suspensa por conta de equipamentos quebrados.
Carlos Milhor explicou também que a cidade deverá contar com semáforos sonoros em vez de sinais numéricos, conforme previsto no Estatuto, mas não há previsão para que os equipamentos sejam instalados. “O sinal numérico não é acessível para uma pessoa cega, por isso, a opção pelo sinal sonoro. Mas é algo que preciso de estudo, para que o sistema não perca o sincronismo que tem hoje”, afirma.
Sobre as paradas de ônibus, o diretor de Engenharia de Trânsito da STTU disse que cerca de 5 mil abrigos serão substituídos em Natal e que os serviços já começaram. Questionado sobre a cobertura desses abrigos – que não oferece proteção aos usuários – Carlos Milhor respondeu que seria necessário muito espaço para que os equipamentos pudessem comportar coberturas efetivas.
“O equipamento poder ser invertido para permitir mobilidade a um cadeirante. Ele foi projetado para ser um módulo fácil de ser executado e como temos que substituir cerca de 5 mil abrigos, não poderia ser algo complexo”, pontuou Milhor.
A Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinfra) informou que também tem projetos em execução para a construção de calçadas acessíveis. De acordo com Carlson Gomes, titular da pasta, as adequações estão sendo feitas em corredores que levam à Arena das Dunas, como as Prudente de Morais, Romualdo Galvão e Norton Chaves.
“É um projeto de reformulação de quase 70 km de calçadas em três zonas da capital (Sul, Leste e Oeste), que está em andamento com recursos da ordem de R$ 20 milhões, da Caixa Econômica. Os trabalhos devem durar dois anos. São recursos das obras da Copa, que a Prefeitura recuperou”, detalha Gomes.
Sobre a instalação de banheiros e bebedouros, a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (Semsur) disse que não existem recursos nem projetos para a implementação dos equipamentos. “Não há planejamento para os próximos meses para isso”, explicou a pasta.
Para Sophia Motta, mestre em Arquitetura e Urbanismo pela UFRN, o maior empecilho à mobilidade de pedestres em Natal são as calçadas, o que representa, segundo ela, um desafio para os gestores públicos na hora de promover melhorias na cidade. “Pela legislação brasileira, na maior parte da cidade a calçada é pública, mas de responsabilidade do proprietário do terreno”, afirma.
“Se elas fossem de responsabilidade pública, seria mais fácil para a Prefeitura fazer a regularização. Isso só acontece quando o proprietário busca licenciar um projeto, mas, de modo geral, o dono da casa é quem define como será sua calçada”, esclarece a urbanista.