Prefeitura pode leiloar imóveis para pagar dívida milionária da Urbana

A Prefeitura do Natal avalia enviar para a Câmara dos Vereadores nos próximos dias um projeto de lei para leiloar imóveis visando aderir ao Parcelamento Excepcional de Débitos Previdenciários para Municípios, do Governo Federal, para tentar pagar uma das maiores dívidas da Companhia de Serviços Urbanos de Natal (Urbana), que já ultrapassa a casa dos R$ 340 milhões. A minuta por parte da Procuradoria Geral do Município já foi feita. O prazo para aderir ao programa é até o dia 30 de junho, num processo que envolve um acordo com a 6ª Vara da Justiça Federal do RN.

“Temos até 31 de junho para aderir ao programa e fazer os parcelamentos. No caso da Prefeitura, pra fazer isso, precisamos dar entrada em alguns imóveis para leilão para ajudar na dívida. E alguns imóveis só podemos colocar na negociação quando passa pela Câmara”, comenta Kalinne Maia, gerente financeira da Urbana.
O projeto de lei foi enviado ao passo que a Urbana apresenta uma dívida acumulada da ordem de R$ 402.407.972,21, segundo balanço financeiro divulgado pelo próprio órgão. Segundo diretores da Urbana, 80% desse montante, é referente a ausência de repasses relativos a servidores do órgão ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), fruto do processo na Receita Federal que a prefeitura tenta o acordo.
“No decorrer desses anos, tivemos vários momentos em aberto de falta de pagamento do INSS patronal, da parte do patrão. Que tem a parte dos servidores, que a prefeitura procurou honrar, e deixou em aberto a patronal por falta de recursos. 80% desse prejuízo aí é desse INSS patronal que não foi repassado para a previdência oficial”, comenta Kalinne Maia, gerente financeira da Urbana. O valor dessa dívida acumulada cresceu 11% em relação a 2020.
No PL, a prefeitura avalia colocar como garantia imóveis que são passíveis de serem leiloados, com o intuito de dar uma “entrada” no acordo junto à Justiça Federal.
“Temos uma dívida trabalhista na Justiça do Trabalho. Tivemos 242 demitidos em 2017 e a rescisão deles não foi feita. Eles entraram na justiça e até hoje pagamos esses valores. Como temos essa dívida com o INSS e a trabalhista, pensamos: pra negociar a dívida com o INSS, precisa diminuir o número de funcionários. Daríamos entrada, parcelaríamos e ao mesmo tempo, o valor serviria para demitir e reduzir funcionários da casa”, explica a gestora, acrescentando que o depósito mensal é de R$ 500 mil na justiça trabalhista.
O programa do Governo Federal permite abatimento em até 240 meses, o total de 20 anos, desconto de 40% das multas de mora, 80% dos juros de mora, 40% dos encargos legais e 20% dos honorários advocatícios. Ao todo, são 823 funcionários envolvidos, sendo que 108 deles já estão aposentados.
“Estamos negociando essa dívida. Existe um conselho de governança judicial, com um juiz federal a frente desse processo. Há uma cobrança judicial e com uma negociação de grande parte desse débito, R$ 340 milhões”, cita Kaline.
Processo é datado de 2011
   O processo referente a esta dívida previdenciária é datado de junho de 2011 e está sendo julgado pela 6ª Vara Federal do Rio Grande do Norte. De acordo com o juiz Caio Diniz, que faz parte do Conselho de Governança Judicial da Urbana, esse é um dos “braços” de uma série de acordos que vem sendo feitos na companhia para quitação de débitos de natureza fiscal, trabalhista e  previdenciária.
No ano passado, uma transação extraordinária foi firmada entre a Urbana, o Município e a PGFN em dezembro de 2021 para utilizar os recursos da Taxa de Limpeza Pública (TLP) para pagamento do passivo de FGTS, por exemplo; também para a amortização do parcelamento dos débitos de natureza não previdenciária.
“A adesão ao programa de transação gerou uma diminuição, da dívida não previdenciária, de cerca de R$ 40 milhões para cerca de R$ 23 milhões, conforme o demonstrativo de consolidação. A manutenção desse parcelamento depende da adesão da Urbana e do Município ao parcelamento também das dívidas previdenciárias. Para isso, o Município precisa fazer algumas adaptações no seu Regime Próprio de Previdência (RPPS), por exigência da EC 113/2021). Sem essas alterações, o parcelamento anterior poderá ser rescindido e a dívida não previdenciária volta ao seu tamanho original”, acrescenta o juiz Caio Diniz.  Esse é o projeto de lei que a prefeitura precisa enviar à Câmara para adesão ao programa do Governo Federal.
Para o atual presidente do Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio, Conservação, Higienização e Limpeza do RN (Sindilimp-RN), Wilson Duarte, aponta que as dívidas acumuladas são reflexo de má gestão da Urbana. Ele acredita que esse é o principal empecilho da companhia, que se estivesse com saúde financeira, poderia “brigar” por licitações em até outros municípios. Ele cita ainda que a proposta para acordo em 240 meses partiu do sindicato.
“Os trabalhadores não têm culpa. Foi uma dívida construída pelos patrões, no caso a Prefeitura. Foi aberto o processo de execução e o juiz federal poderia ter opções do que iria fazer. Nosso grande sonho é que a Urbana pague suas dívidas e possa, além de garantir os empregos, participar de licitações como qualquer outra empresa, inclusive de outras cidades”, cita.
Em relação ao exercício financeiro de 2021, o boletim apontou em prejuízo de R$ 35.056.578,45, valor 164% superior  a 2020, quando o resultado do exercício foi de R$ 13.894.162,41.
“Em 2020, trabalhamos com orçamento bem inferior a 2021. Isso impacta até na emissão de notas fiscais das empresas. No público, a gente só paga o que tem orçamento. E quando as empresas viam que não ia ter orçamento para fazer o pagamento, elas não emitiam nota, porque geraria imposto para elas pagarem. Então notas fiscais de outubro, novembro e dezembro, só veio ser tirada em 2021 e pagas como despesas de exercício anterior. São restos a pagar sem empenho”, explica a gerente financeira sobre o aumento.
Licitações da limpeza pública foram suspensas 
Os três editais referentes à licitação pública de Natal estão travados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) por questionamentos e alegações e nos três casos, foram anulados pelo tribunal, sem perspectiva de republicação. Os editais foram publicados ainda em 2021, mas foram anulados de forma parcial pelo órgão. Juntos, os três editais somam R$ 756 milhões em contratos.
O primeiro edital é o maior deles, com previsão de R$ 485 milhões em contrato de cinco anos. Neste contrato, são previstos serviços de coleta urbana domiciliar, coleta de lixo, resíduos vegetais  poda, remoção mecanizada de resíduos da construção civil e fornecimento de caminhão para coleta de pneus, gaiola para coleta seletiva, trator com roçadeira e caminhão pipa. O TCE suspendeu o certame em 31 de março e deu 90 dias para a Urbana apresente nova minuta do edital.
No relatório, o MP de Contas entende que serviços complementares de varrição, raspagem, capinação e caiação das vias públicas não deveriam estar na licitação, sendo “prudente avaliar uma licitação complementar a parte caso o efetivo da própria Urbana não seja suficiente para suprir tais necessidades”.
O MP de Contas pede a exclusão do serviço de coleta e transporte de poda, por entender que a Secretaria de Serviços Urbanos  (Semsur) já executa o serviço e questiona a ausência de estudos técnicos para justificar a inclusão de serviço de coleta de pneus e carros pipa na lavagem de feiras livres. Entre outros pontos, metodologias de cálculo, roteiros e frequência de coletas e preços são questionados. As economias poderiam chegar a R$ 152 milhões com  os ajustes no certame, segundo o MP de Contas.
“Entramos com recurso  para que não seja anulado e houvesse ajustes no processo. Mandamos as informações e estamos esperando”, disse o presidente da Urbana, Joseildes Medeiros.
“Eles questionaram algumas atividades que colocamos na licitação, eles disseram que não fazia parte do escopo da Urbana. Demonstramos que tudo aquilo que eles questionaram faz parte sim. Uma parte eles concordaram e em outras está havendo divergência. Estamos tentando um acordo para publicar a licitação”, diz.
No segundo contrato, cujo valor de licitação lobal é de R$ 101 milhões, uma empresa interessada na licitação foi quem apresentou denúncia ao TCE, com relatório de 15 páginas. O MP de Contas, em fevereiro deste ano, concedeu medida cautelar para suspender o edital. O edital, segundo o órgão, continha preços referenciais em desacordo com o mercado, ausência de clareza do edital e discussão acerca da operação da estação do transbordo e implantação de ecopontos, ponto em análise na primeira licitação.
“No edital dois, colocamos o transporte do resíduo domiciliar do transbordo até o aterro sanitário. Colocamos a construção de um transbordo novo e ecopontos. Conversamos com a Fipe (elaboradora do edital) e chegamos a conclusão que não era viável misturar atividade de serviço de limpeza com construção. Estamos nessa conversa para ter esse desmembramento”, comenta Joseildes.
Já no terceiro contrato, com custo global de R$ 170 milhões, a auditoria apontou que há vulnerabilidades no efetivo controle dos serviços e suas cláusulas editalícias, configurando-se em vícios insanáveis; que o modelo adotado não estabelece elementos mínimos de gestão de contrato baseado em nível de serviço, inexistindo definições de papéis e responsabilidades, mecanismos de controle, indicadores de desempenho, métricas e cláusulas de penalidades.