Pesquisadora da UFRN estuda veneno de escorpião como base para produção de medicamentos

A doutura Menilla Maria desenvolve a pesquisa desde 2014 com apoio acadêmico do Departamento de Farmácia da UFRNp

Animais peçonhentos provocam medo em muitas pessoas devido ao perigo que apresentam para os seres humanos. O veneno de certas espécies podem causar reações adversas tanto locais, quanto generalizadas. Apesar do perigo, essas criaturas são também objetos de estudos, como é o caso do Tityus stigmurus, ou Escorpião-Amarelo-Do-Nordeste, estudado pela doutora Menilla Maria, do Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas (PPgCF/UFRN), que enxergou na peçonha do animal a possibilidade de desenvolver futuros fármacos.

Em artigo publicado em janeiro na Frontiers in Molecular Biosciences, com apoio do Núcleo de Processamento de Alto Desempenho (NPAD) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a pesquisadora apresenta multifunções de molécula isolada do veneno do escorpião, categorizando-o como agente com potencial terapêutico e biotecnológico. Por meio de testagens in vitro, confirmou-se que o peptídeo aniônico — molécula rica em ácido aspártico e glutâmico — do Tityus stigmurus (TanP) é promissor para aplicações terapêuticas como agente quelante de metais com importância biológica, como ferro e cobre, e como imunomodulador, pois atua no sistema imunológico e potencializa resposta orgânica a determinados microrganismos, sendo antioxidante, cicatrizante e anticoagulante.

Essas biomoléculas podem ser transformadas em fármacos, o que não é uma realidade distante. O anti-hipertensivo Captopril, por exemplo, foi desenvolvido a partir de uma molécula presente na peçonha da serpente jararaca brasileira (Bothrops jararaca). Segundo Menilla, estudos como este são importantes para a obtenção de novos produtos com aplicação biotecnológica e farmacológica. Seu estudo foi motivado pela possibilidade de desenvolver um novo remédio. “A principal motivação foi pensar que de alguma forma eu poderia estar contribuindo para ter um novo medicamento lá na prateleira de uma farmácia”, contou.

Essa linha de pesquisa vem sendo desenvolvida desde 2014 sob orientação do professor Matheus Pedrosa, do Departamento de Farmácia (FAR) da UFRN, e seu grupo de pesquisa. Nela,  consta a contribuição de mais 10 colaboradores em diversos laboratórios. Sendo eles: Laboratório de Tecnologia e Biotecnologia Farmacêutica (TecBioFar/UFRN); Laboratório de Química de Coordenação e Polímeros (LQCP); Laboratório de Biotecnologia de Polímeros Naturais (BIOPOL); Laboratório de Isolamento e Síntese de Compostos Orgânicos (LISCO); Instituto do Cérebro (ICe/UFRN); Laboratório de Química Computacional (LQC).

De acordo com Menilla, seu orientador já investigava a possível obtenção de peptídeos a partir da peçonha do escorpião. Com isso, lhe foi dada a oportunidade de pesquisar sobre peptídeos aniônicos. Algo que, praticamente, não havia sido estudado antes. “O peptídeo TanPpertence a uma classe de peptídeos ainda pouco estudada, que são os peptídeos aniônicos, logo, com um potencial biotecnológico e terapêutico promissor. Nosso trabalho foi pioneiro na caracterização e avaliação das atividades biológicas desse tipo de peptídeo obtido de escorpiões”, disse.

O TanP se destaca, principalmente, por sua capacidade de quelar metais. A aplicação terapêutica de moléculas quelantes está ligada a casos de intoxicação por metais, doenças hematológicas relacionadas a distúrbios de coagulação, doenças cardiovasculares, doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer, além de aplicação em cicatrização de ferimentos cutâneos.

Os caminhos percorridos até os resultados atuais começaram a partir de uma biblioteca de cDNA, seguida de uma análise de bioinformática, pela qual se chegou à sequência primária do peptídeo. Para realização dos ensaios in vitrofoi utilizado o peptídeo em forma de pó liofilizado (submetido à desidratação através de congelamento sob vácuo, seguido de sublimação), obtido de uma empresa terceirizada. “Nossos primeiros ensaios envolveram caracterizar a molécula, de modo a conhecer sua estrutura e a partir disso poder pensar numa aplicação biotecnológica”, esclareceu Menilla.