Estudantes reclamam da greve na rede estadual, após dois anos de aulas virtuais

Parte dos estudantes da rede estadual de ensino do Rio Grande do Norte lida, desde o começo da semana, com a falta de aulas, cuja previsão de início era a última segunda-feira (14), conforme calendário da Secretaria de Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer (SEEC/RN). O sentimento é de frustração, de acordo com relatos colhidos pela TRIBUNA DO NORTE, ainda mais porque os estudantes enfrentaram quase dois anos de aulas virtuais, o que, na avaliação deles, implicou em diversas dificuldades.

Sem poder ir à escola em razão da greve, Hevellyn Araújo, de 18 anos, decidiu viajar para o interior do Estado para visitar a avó. Mas o que ela queria, de fato, era poder frequentar as dependências da  Escola Estadual Professor Varela Barca, no conjunto Soledade II, na zona Norte de Natal. A estudante está na 3ª série do Ensino Médio e se diz frustrada com a greve, que começou após  professores e Governo do Estado não chegarem a um entendimento sobre o reajuste do piso salarial da categoria.
“A greve atrapalha tudo. Eu queria começar a estudar para o Enem, só que, sem uma base, fica tudo muito complicado. Sem um guia ou uma estrutura, que são os nossos professores, fica realmente difícil.  Eu acho tudo muito frustrante”, reclama Hevellyn.
 Aluno do Centro Estadual de Educação Profissional Professora Djanira Brasilino, Gustavo Vinícius, de 17 anos, também reclama da situação. “É a primeira vez que enfrento uma greve. O principal ponto aí é que nós vamos ficar para trás. Muitos alunos ficarão ociosos e, quando as aulas começarem, todos serão aprovados sem aprender nada”, declara. Gustavavo, a exemplo de Hevellyn, está na 3ª série do Ensino Médio e pretende se inscrever para o Enem. “Sei que as coisas vão se complicar um pouco, mas, se Deus quiser e se a gente estudar, mesmo em casa, vai dar tudo certo”, aposta.
Gustavo conta que pretende tentar uma vaga no curso de Tecnologia da Informação (TI) em uma universidade pública. Sem aulas na rede estadual, ele avalia a possibilidade de se matricular em curso preparatório para o Enem. “Comecei uma preparação para o Exame no ano passado. Dei uma pausa recentemente, mas agora vou retomar. Por enquanto, vou estudar em casa mesmo e pretendo ver a questão do cursinho”, relata.
A falta de aulas, mesmo que ainda no início, já provocou impactos na confiança dos estudantes ouvidos pela reportagem, no que diz respeito ao Exame Nacional do Ensino Médio. “Sem aulas, a confiança baixa um pouco, mas, espero que as escolas retornem rapidamente”, afirma Gustavo.
Hevellyn também tem torcida parecida e deve ir para o Exame Nacional menos segura. “Não tenho muita esperança nesse sentido, mas, lógico que eu gostaria que as aulas voltassem logo. Vou para o Enem menos confiante, porque vou estar menos preparada. ”, sublinha. Hevellyn conta que enfrentou muitos desafios com o ensino remoto e desabafa sobre as dificuldades de tentar recuperar o tempo perdido.
“A maioria dos professores passava somente atividades online ou algum vídeo. Era um processo todo complicado. Tive problemas com equipamentos, porque tenho somente um celular. E o site da rede estadual, que é o SIGEduc, saía do ar e travava bastante. Minhas aulas presenciais voltaram em setembro do ano passado. E aí, a gente nem se recuperou direito e já estamos enfrentando uma greve”, desabafa a estudante.
“A gente estava planejando fazer um terceiro ano incrível, mas, por causa da greve, os bimestres vão ser mais curtos e, com o Enem, será bastante sufocante”, complementa Hevellym, em seguida.
Gustavo, que mora e estuda no bairro de Nossa Senhora da Apresentação, na zona Norte, também lamenta não poder correr atrás dos prejuízos com o ensino virtual, em função do surgimento da greve. “As aulas online são horríveis. O bom mesmo seria poder recuperar o tempo perdido, embora eu acredito que seja muita difícil reverter os prejuízos.”, diz.
Paralisação é parcial em algumas escolas
Na segunda-feira (14), professores da rede estadual de ensino do RN rejeitaram a proposta do Governo do Estado a respeito do reajuste salarial de 2022, de 33,24%. Com isso, a categoria iniciou o movimento grevista nessa terça-feira (15), um dia após a previsão do início do calendário letivo da Secretaria de Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer (SEEC/RN). A TRIBUNA DO NORTE questionou a pasta sobre a quantidade de alunos afetados pela greve.
Magnus Nascimento
No Centro de Educação Profissional Senador Jessé Pinto Freire, a adesão à greve deve ser de 20%, segundo a diretoria

No Centro de Educação Profissional Senador Jessé Pinto Freire, a adesão à greve deve ser de 20%, segundo a diretoria

A Secretaria respondeu apenas que  “leva uns dias para as escolas se organizarem, pois vai ter instituição que não entrará [em greve]”. Além disso, segundo a SEEC, em algumas unidades escolares o movimento será parcial e em outros, será total. Na Escola Municipal Anísio Teixeira, em Petrópolis, zona Leste de Natal, as aulas devem acontecer normalmente a partir desta quarta-feira (16).
Segundo a direção da escola, professores foram à unidade para uma reunião nessa terça e decidiram não aderir à greve. A Anísio Teixeira tem 1.356 alunos, divididos em 39 turmas de Ensino Médio. No Centro Estadual de Educação Profissional Senador Jessé Freire Pinto, também em Petrópolis, cerca de 20% dos professores devem aderir ao movimento, segundo a diretora da unidade escolar, Marcelle Noronha.
“Aqui nós estamos fazendo um horário especial para o aluno vir todos os dias assistir a, no mínimo, quatro aulas. Nesse primeiro momento, estamos fazendo um escalonamento de turmas, para que haja um contato entre alunos, professores e coordenadores. Isso acontece todos os anos”, explica Noronha.
O Centro Estadual de Educação Profissional Senador Jessé Freire Pinto tem 680 alunos, divididos em 20 turmas de Ensino Médio. Além disso, também existem turmas de ensino técnico, que não são afetados pelo movimento, porque os professores, nesse caso, são prestadores de serviço da unidade, segundo informações da direção.
Ana Adna Melo, de 15 anos, é aluna da 2ª série do Ensino Médio do Jessé Freire Pinto. A greve parcial na unidade preocupa a estudante. “A gente ainda não sabe como as aulas vão ficar aqui, porque nossa grade de horário ainda está sendo feita. Por enquanto, nos disseram que vai ter aula. Eu não estou muito aliviada, porque, mesmo que não haja greve integral, haverá [greve] parcial e nós vamos perder com isso. Mas, claro, nós teremos uma vantagem, porque não vamos sofrer com tantos atrasos, como as outras escolas”, declara.
Já Magna Raíssa, de 16 anos, colega de turma de Ana Adna, comenta que a situação lhe permite maior tranquilidade, uma vez que passou por momentos complicados com o ensino virtual, por causa da pandemia. “Nós não seremos tão prejudicados, já que poderemos ter as matérias em dia mais facilmente. Meu ensino remoto foi bem difícil, porque eu não tinha celular e usava o aparelho da minha mãe. Agora, será um pouco melhor”, revela Magna.
Greve começou após diversas negociações
A greve dos professores, iniciada na terça-feira, se deu após diversas negociações com o Governo do Estado sobre a implantação do piso salarial, de 33,24%, conforme definido pelo Governo Federal em janeiro. Na segunda-feira (14), o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do RN (Sinte-RN) se reuniu em audiência com  interlocutores e secretários da gestão estadual para um nova rodada de negociações.
A proposta do Governo, recusada pela categoria, consistia em aplicar o reajuste do piso de forma integral a partir de janeiro para quem recebe menos que o valor de R$ 3.845,63 proporcional a 30h (cerca de 8.000 servidores). Em relação ao percentual para aqueles que não receberam em janeiro o reajuste integral, seria aplicado para ativos inativos e pensionistas, da seguinte forma: em março, seria de 13%, e em dezembro, o complemento dos 33,24%, com uma parcela variável entre 0% e 17,91%, a depender dos valores recebidos anteriormente.
A parcela relativa ao mês de dezembro proposta estaria condicionada ao acordo legal com Tribunal de Contas do Estado e o Tribunal Regional Eleitoral. Nessa terça, A TRIBUNA DO NORTE entrou em contato com o Sinte/RN para saber se havia um balanço sobre a adesão à greve, mas o Sindicato informou que ainda não dispunha de dados ou estimativas sobre a paralisação.